O início do fim: eles têm medo de nós

Tenho recentemente me esquivado de produzir conteúdo sobre o teatro de horrores que vivemos. Talvez por questões de sanidade, outras vezes por tempo, mas em suma, admito que tenho me esquivado. Dentre brados honrando a ditadura de 64, análises rasas e oportunistas sobre o Holocausto, demissões de ministros e casos com milicianos, tenho me esquivado. O que me levou a isso? A resposta é simples e imediata: desgaste. Hoje como aluno de Universidade Federal, como futuro historiador e professor, os danos à sanidade promovidos pelo desgoverno são, por muitas vezes, irreparáveis. O que venho desmistificar é justamente o meu próprio sentimento. Aprendo, cada dia mais, que eles têm medo de nós. Em um momento em que existir em sua totalidade é nada mais do que resistir, fica a prova concreta de que eles têm medo de nós, enraízada nos terrores do cotidiano. Eles têm medo de nós.

Viver em oposição é saber que acordar cedo todo dia em si já é um ato de resistência. Cada fala, cada brado dotado de uma falsa hombridade, cada ação irracional movida pelo ódio nos ofende, toca na ferida, destrói edificações, nos prende a um pessimismo inexato. Viver em ambientes que são nocivos a existência do desgoverno, é, em sua essência, resistir.

Não é questão de estar ou não do lado certo da História, é saber que ela não toma lados mas não se aproxima de quem a abomina. As declarações do prefeito de Nova Iorque Bill de Blasio e do maior museu da cidade, dos representantes do museu do Holocausto apenas comprovam a aversão da História para com quem a estigmatiza. Seu lugar não é na casa da História, presidente. Tentar remontar passados nefastos em prol de uma narrativa deturpada que tem como finalidade criminalizar um movimento legítimo está longe de ser uma atitude passível de perdão dos braços da História.

Diria Fernand Braudel que “o historiador nunca se evade do tempo da história: o tempo adere ao seu pensamento como a terra à pá do jardineiro”. É nessa perpetuação de falácias que tentam destruir um passado histórico que tem raízes da cultura dos debaixo que o atual desgoverno assina seu obituário. Se deixa o tempo de lado a todo momento. Não o tempo corrente, mas o tempo dos acontecimentos. Não se importa com as vivências, mas sim em moralizar – falsa e inconsequentemente – uma população que não faz ideia do quanto a memória e a justiça social faz falta. Como é remédio para nossas angústias. Lembrar pra não esquecer. Esquecer pra moralizar.

É edificar, em suma, as inúmeras mazelas que abrem cada dia mais a ferida aberta em carne viva da história que não querem que contemos. Mas assumo esse compromisso, de hoje em diante. De fazer questão de incomodá-los. De desnaturalizar 80 tiros em pai de família, que leva também o inocente que queria só ajudar o coitado. De contar as histórias das Marias, Mahins, Marielles, Malês. De fazer ver a sociedade do esquecimento, que pouco se importa com ditadura, holocausto, morte, perseguição. De conscientizar que o teu voto mata pobre na enchente. De fazer ver o falso moralismo, a hipocrisia de lamentar a destruição de monumentos históricos fora daqui, mas quando o fogo arde na República das Bananas, “já queimou”. De fazer orgulhar quem veste jaleco, que é tratado como inimigo da nação mas que não deixa de lado o sonho da educação digna e de qualidade. De fazer lembrar cada um e cada uma que eles têm medo de nós. Têm medo porque somos, seremos e faremos dos outros, mais do que eles. Sempre somos mais do que eles.

Assumo esse compromisso.

De fazer ver.

De fazer lembrar.

De fazer História.

De se queixar.

De dar a tinta e a caneta para assinar

O começo do fim do governo do inconsequente militar.

Deixe um comentário