A desunião faz o autoritarismo: a morte gradual da esquerda no Brasil

Focalizar o atual desmonte da esquerda como campo em torno da suposta ausência de Ciro Gomes ou até mesmo do diálogo de outros partidos do campo – dos quais o próprio PDT se insere – é atuar, acima de tudo, como agente do desmonte. A tão condenada falta de união do bloco de oposição é amplamente mais complexa do que essas simples colocações fanáticas e simplistas que além de não nos levarem a lugar algum em um ideal pragmático, é combustível rentável ao autoritarismo infundado do (des)governo.

São inúmeras as situações em que a esquerda se demonstra não apenas desconexa, mas como campo de abstrações e em constante processo de elitização. É nesse último que reside a antítese da sua existência: a esquerda não pode deixar de falar a língua das massas. Quando Mano Brown disse no ano passado em meio ao comício de Haddad que “a comunicação é alma, e, se não está falando a língua do povo, vai perder mesmo, certo?” muitos não pensaram duas vezes antes de rogarem inúmeras retaliações ao seus discurso. No entanto, o que o rapper atentava é um dos elos fracos da esquerda: a necessidade de se reinventar por meio da autocrítica. É muito mais fácil apontar o MBL como ideológico cego do que enxergar no PT o mesmo exemplo de abstração e substancialismo. E é essa a corda que a esquerda prepara ao seu próprio suicídio.

Talvez ainda não seja tarde para entender que nossa primeira fatalidade não começou em Outubro do ano passado, mas é um processo contínuo de desorganização que antecede o processo de Impeachment orquestrado, e que perdura até hoje. Aliás, que diria Eduardo Cunha em meio à tanta teatralização da esquerda na luta contra o fanatismo do atual governo? Será que o próprio personagem que personifica a falta de sensatez da politicagem brasileira é exemplo perto do presidente? Fato é que nem o mais otimista dos partidos atingidos pelo Grande Acordo Nacional imaginaria que a derrocada da esquerda dependeria da sua resposta àquele ataque grave aos seus ideais. No entanto, nem mesmo a oposição da época – a qual já citei o quanto sinto falta em um texto postado aqui “Falta Mortadela na mesa do Tucano” – esperava que seu golpe fosse golpeado. Jair Bolsonaro representa não só a desmoralização da esquerda, mas também dos setores racionais da direita.

É ignorante analisar de maneira simplista, é inegável que continuaremos pendendo a esta continuidade, é imoral que aceitemos que a luta contra o surrealismo político seja teatral e abstrata. O que nos falta como campo é objetividade. É voltar a dialogar com as massas. É compreender a vasta diferença entre o preto armado sendo alevejado e o preto fazendo arminha sendo glorificado. É trazer o povo ao seu lugar histórico. É mostrar ao verdadeiro cerne da coletividade que o autoritarismo da elite desprovida de qualquer valor é tiro no pé, porque a massa não deve acompanhá-los. Se voltarmos a falar a mesma língua, se formos objetivos, provaremos que 80 tiros não podem ser relativizados. Impediremos que os 57,7 milhões de votos no irracional não somem a sua contagem final na luta dos debaixo. A história dos debaixo não deve ser a história dos engravatados.

História é pra ser contada.

Com compromisso.

Concreto e direto compromisso.

Com o povo.

Com os debaixo.

Afinal, são eles que irão colher nossos corpos depois do enforcamento voluntário.

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